quarta-feira, 29 de junho de 2016

Projeto artístico propõe diálogo poético entre dança, videodança e ferrovias

Vencedor do Edital ‘Arte em Toda Parte, Ano III’ da Fundação Gregório, o projeto começou em abril, vai até agosto e reúne mais de 30 profissionais das áreas de dança, vídeo, fotografia, produção e comunicação, com 14 performances durante duas semanas na ferrovia de Salvador

Dança, videodança, poesia e diálogo. Essas são algumas das palavras que inspiram o projeto ‘TRILHOS & ESTAÇÕES – uma viagem dançada da Calçada a Paripe’ tendo como tema e local de apresentação pública, estações e a linha ferroviária de Salvador. Vencedor do edital 'Arte em Toda Parte – Ano III' da Fundação Gregório de Mattos da Prefeitura de Salvador, o projeto interdisciplinar começou em abril e vai até agosto deste ano (2016), reunindo mais de 30 profissionais das áreas de dança, vídeo, música, figurino, fotografia, produção e comunicação, dentre outras.

O projeto está dividido em duas fases. Na primeira fase – abril, maio e junho (2016) – ocorreram pesquisas, pré-produção, ensaios em salas, ensaios em estações e ferrovias, gravação e edição da videodança. Na segunda fase – julho e agosto (2016) – acontece pré-produção, ensaios, as performances na Estação Ferroviária da Calçada, nos trens, até a Estação de Paripe e a exibição da videodança na Estação da Calçada. As apresentações custam o valor de R$ 0,50 (cinquenta centavos) do tíquete do trem.

DUAS SEMANAS

Ao longo das linhas e estações ferroviárias acontecerão 14 apresentações com oito dançarinos, durante duas semanas, de segunda à sexta-feira. De 27 a 29 de julho, e de 2 a 5 de agosto (2016). Sempre duas apresentações por dia, em horários a serem divulgados previamente, com performances nas estações e dentro dos trens, além de videoinstalação para exibição da videodança, na Estação da Calçada.

Ao todo, são seis meses de trabalho ininterrupto. De abril a setembro. Desde reuniões com a companhia ferroviária, pesquisa histórica sobre ferrovias brasileiras, escolha de locações, contratação de profissionais, locação de equipamentos para filmagem, ensaios, improvisação e criação dos movimentos de dança, até a filmagem, decupagem do material filmado, edição e finalização da videodança, montagem de videoinstalação e divulgação, dentre outras tarefas de um cronograma rigoroso e organizado.

CONCEPÇÃO

O projeto tem criação, direção artística e coreografias de Lilian Graça, e direção geral e produção executiva de Ana Luiza Campos, da ‘Olho de Peixe Produções’. Dançarina, videasta, doutoranda em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Lilian Graça, situa a proposta do projeto como uma incursão da dança contemporânea e da videodança em um espaço público, alternativo e o encontro dessa artes com a história desse espaço. Segundo ela, o projeto TRILHOS & ESTAÇÕES traz a pesquisa de movimento do corpo construindo um paralelo entre memória e realidade da malha ferroviária de Salvador”.

Para tanto, partiu-se da concepção da montagem da videodança, onde utiliza-se fotografias antigas superpostas e, em contraste, às imagens atuais de ferrovias. O movimento da dança costura as imagens dos dois tempos. O percurso de trem da Calçada a Paripe é utilizado para a concepção da montagem da performance. A pesquisa coreográfica tem como motivação o movimento do corpo do dançarino em relação ao espaço arquitetônico das estações e do trem, além do movimento do corpo do cidadão – passageiro.

O projeto indica ainda a importância que a malha ferroviária tem para a cidade de Salvador. “Esse espaço urbano faz parte igualmente da minha memória pessoal, já que quando criança fui muitas vezes de trem para visitar minha avó que morava em Periperi”, narra Lilian. Ela enfatiza que só quando morava na Alemanha se perguntou por qual motivo o Brasil desistiu de investir em um meio de transporte fundamental como o trem em um país de dimensões continentais. “Foi nesse desejo de tratar do assunto artisticamente que descobri nas pesquisas a história dessa malha ferroviária construída no Império. Ou seja, esse lugar tem uma importância histórica que poucos conhecem”, explana Lilian.

Atuando como dançarina e coreógrafa na cena da dança nas décadas de 1980/90 em Salvador e São Paulo, Lilian residiu por 18 anos em Berlim, onde cursou seu mestrado e realizou projetos artísticos (Flucht, Geh Hirn, Corta a Cana) e colaborou com artistas da cena livre de dança de Berlim. Lá, também dirigiu seu próprio estúdio de Pilates por 10 anos. De volta a Salvador, em 2014, entra no doutorado de Artes Cênicas/UFBA e, agora em 2016, apresenta seu primeiro trabalho de dança voltado ao público baiano depois de quase duas décadas na Europa.

PROCESSO COREOGRÁFICO

O processo criativo constou de pesquisas, leituras de textos e experimentações em salas de ensaio, nos trilhos e nas estações de trem. “Os dançarinos tiveram contribuição criativa fundamental, já que trabalhamos por processo de improvisação para construir as cenas”, diz Lilian. Temas que envolviam corpo e arquitetura das estações e dos trilhos foram elementos de exploração dos movimentos. “Mas também exploramos temas ligados a ideia de viajar, movimentos que o trem proporciona ao corpo do viajante, atravessamentos, esperas, abandonos e a memória das ferrovias atravessando o corpo da dança”, descreve a coreógrafa.

Segundo ela, a videodança a ser exibida na estação detém esses temas costurados enquanto fragmento, de forma poética e não linear. A maioria dos movimentos das cenas na videodança foram estruturados a partir de improvisações dos dançarinos e filmados em diferentes planos a depender da ideia que o tema estava apontando. “Mas também experimentamos criar e filmar algumas cenas com estruturas abertas; ou seja, nelas há um tema de movimento, um caminho a ser experimentado, mas não há marcação fechada, possibilitando o surgimento de novos movimentos durante a filmagem”, esclarece a coreógrafa.

O projeto TRILHOS & ESTAÇÕES propõe e trabalha com a tentativa constante de associações. “Os dançarinos foram provocados com alguns textos e tivemos inspirações da realidade local da ferrovia”, especifica a diretora artística. Elementos arquitetônicos como andaimes, vigas e estruturas. Olarias, tipos de madeiras e tijolos motivaram associações com as estruturas anatômicas do corpo. “Mas além do sentido material, o sentido simbólico do trem enquanto amalgama das relações (Foucault) como elemento de passagem e conexão também foi utilizado”, remata Lilian

Para as performances e principalmente no trecho dos trens, a montagem se configura como improvisação estruturada com temas de movimentos que relacionem o corpo do passageiro e o cotidiano nos trens. Já nas duas estações as estruturas de movimento serão mais fechadas e coreografadas. “O trabalho é sintetizado como processo constante de construção e, portanto, aberto. Nos interessa aqui os possíveis encontros com os passageiros, suas reações à dança, nos permitindo diálogos”, elucida Lilian.  Ela conta que foram feitos pequenos experimentos dos dançarinos nos trens durante os ensaios da videodança. “Percebemos os olhares atentos e o encantamento das pessoas com os movimentos simples, nos mostrando que é possível um encontro poético, uma rápida suspensão do cotidiano dessas pessoas através da arte”, comemora a coreógrafa.

MEMÓRIA, ESTÉTICA e POESIA

O projeto TRILHOS & ESTAÇÕES também acredita na força da arte perante o social e o cotidiano das pessoas. “A possibilidade de falar sobre as ferrovias brasileiras de forma poética, mostrar as ferrovias baianas com o estudo do movimento e corpo, é uma oportunidade encantadora”, ressalta a produtora executiva Ana Luiza Campos. Atuando há 20 anos com audiovisual, em produções locais e nacionais de filmes publicitários, documentários, longas, vídeos técnicos e campanhas políticas, Ana Luiza foi coordenadora de arte nos longas 'Cidade Baixa', 'Ó Pai, Ó' e na série televisa de mesmo nome. “Fiquei cativada pelas pesquisas e ideias de Lilian e embarquei nesse projeto”, relata a produtora e diretora geral da iniciativa.

A ferrovia onde o projeto acontece foi criada pela Bahia and San Francisco Railway Company. “Foi a primeira da Bahia e a quinta do Brasil a ser construída; inaugurada em 1860 com 123 quilômetros de extensão”, conta Ana Luiza. A linha ferroviária tinha como meta ir de Salvador até a cidade de Juazeiro, situada às margens do Rio São Francisco, mas só foi construída até Alagoinhas. Ana Luiza comenta o tempo e o percurso do projeto. “Hoje existem somente dois trens que se alternam em intervalos de 40 minutos, por isso, optamos pelas performances no próprio vagão, sem paradas nas estações, finalizando em Paripe. A videoinstalação fixa na Estação da Calçada, foi a forma que encontramos para estabelecer o diálogo entre os passageiros, performances e videodança”, cita a diretora geral Ana Luiza.

Atualmente, o trajeto Calçada/Paripe funciona para o transporte de passageiros, possuindo 13,2 quilômetros. O restante do trajeto funciona como transporte de cargas. Cerca de 10 mil pessoas utilizam o serviço na região diariamente. Formado por 22 bairros, esse extenso percurso geográfico possui 10% da população de Salvador e é conhecido historicamente pela rica cultura, prática de pesca e pelas águas calmas da Baía de Todos os Santos. Hoje, sua população é formada por grupos sociais mais populares. “Depois de passar por transformações e mudanças ao longo de 150 anos de existência, a linha do subúrbio de Salvador funciona como alternativa viável de transporte de baixo custo”, completa Ana Luiza.

Para Lilian, todo trabalho artístico é político. “Não há como separar. Mesmo optando por um tratamento fragmentado e poético, o projeto trata da questão da memória de um meio de transporte que foi negligenciado no nosso país em privilégio de uma política de construções de estradas de rodagem”, opina Lilian. Segundo ela, as ferrovias, ou o que restaram delas, são cada vez mais invisíveis para o cidadão. “Mas, não é nossa intenção atrelar o projeto exclusivamente à crítica social. Trilhamos um caminho estético e poético que possibilita leituras diferentes e vias de percepções diversas”, pondera Lilian.

“Com o projeto, reafirmamos que essa memória não está totalmente esquecida, apesar dos escombros e sinais do passado no percurso dessa viagem”, relata a coreógrafa e videasta. Lilian pontua que, durante suas pesquisas, encontrou muitas pessoas interessadas nas ferrovias brasileiras. “Elas tentam a qualquer custo e por vontade própria manter a memória dessa história; e espero que esse projeto também contribua de alguma maneira para isso”, finaliza a criadora.

As mentoras do projeto TRILHAS & ESTAÇÕES informam que a proposta é do diálogo inspirado entre dança, corpo, arquitetura, e movimento, mas sensível à realidade encontrada nas estações e linhas de trem. “Este é um local que reúne grande beleza e dignidade, e que acima de tudo merece reconhecimento”, afirma Lilian. Elas optaram pela poesia, pela estética, para acentuar ou despertar a percepção do espectador. Cada um com a sua viagem, com a sua sensação e com a sua interpretação. É o caminho da Arte!

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SERVIÇO

O quê: Exibição de Videodança e Performances – Projeto ‘TRILHOS & ESTAÇÕES – uma viagem dançada da Calçada a Paripe’
Onde: Estação da Calçada e performances nos trens até Paripe
Quando: dias 27 a 29 de julho e 02 a 05 de agosto (2016).
Horários: à definir
Informações: Moniz Comunicação – Geraldo Moniz (71 99110-5099, geraldo.monizcomunicacao@gmail.com) e Bruno Ganem (71 991281325, brunoganem.monizcomunicacao@gmail.com) 

FICHA TÉCNICA

Direção artística e coreográfica: Lilian Graça
Direção geral e produção executiva: Ana Luiza Campos - ‘Olho de Peixe Produções’
Direção de Arte: Alice Barreto
Trilha original/mixagem e masterização: Bob Bastos
Figurinista: João Serafim
Costureiras: Nalva dos Santos e Ceumar dos Reis
Dançarinos performances: Danilo Lima, Bárbara Barbará, William Gomes, Aline Soares, Anderson Marcos, Lais Oliveira, Sérgio Diaz e Talita Gomes
Making of (câmera e edição): Thiago Andrade 
Making of (edição): Ycaro Gallo 
Fotógrafos Still: Mário Neto e Thiago Andrade
Desing Gráfico: Felipe Cordeiro
Assessoria de Comunicação: Geraldo Moniz de Aragão – Moniz Comunicação
Assessoria Contábil: Kátia Mata Virgem
Assessoria Jurídica: Teixeira de Villar Advogados
Apoios: CTB, UFBA/IHAC, Acervo da Laje, FIGAM – Alagoinhas, Centro Cultural Ensaio, Cachaça O BURACÃO

Ficha Técnica VIDEODANÇA:

Direção: Lilian Graça
Assistência de direção: Daniela Guimarães
Direção de Produção: Ana Luiza Campos
Direção de fotografia: André Heleno
Assistência de câmera/logger: Rafael Mac-Cullochel e Ycaro Gallo
Trilha original/mixagem e masterização: Bob Bastos
Som direto: Vinícius Barretto
Montagem e finalização: Denis Ferreira
Computação gráfica: Denis Ferreira e Walter Segundo 
Dançarinos: Anderson Marcos, Lais Oliveira, Sérgio Diaz e Talita Gomes
Produção: Inailton Oliveira e Jorge Martins
Elétrica/maquinária: Djair Fernandes e Robson Pereira
Transporte: Normando Oliveira, Cristiano de Andrade, Davis Leone e Liedson Mamede (Dudai)

Segurança: Marcos Pereira

BOX opcional 1 – VIDEODANÇA:
A videodança como linguagem surgiu no início dos anos 1970. No início, o vídeo associado à dança era uma forma de registro, uma vez que a dança sofre uma dificuldade histórica nesse aspecto. Por ser fruto de uma criação corporal, a dança tem uma premissa presencial muito peculiar, e mesmo o balé clássico que compôs uma gramática própria, ou as notações de Rudolf Laban que também são resultados da tentativa de sistematizar um método de trabalho físico, o desenvolvimento da dança sempre esteve atrelado ao instante do movimento, tornando difícil para os pesquisadores e criadores seu registro pela escrita ou imagem estática. A possibilidade de filmar e reproduzir os movimentos realizados por bailarinos trouxe, num primeiro momento, a inovação do estudo técnico da dança, expansão e repetição do conhecimento dessa área. As experiências inaugurais do vídeo com a dança, portanto, são do campo do utilitário. Num segundo momento, o vídeo deixa de ser apenas um meio de registro e reprodução e passa a ser parte componente de uma criação. As primeiras experiências nessa direção são atribuídas por pesquisadores da área principalmente ao coreógrafo Merce Cunningham. Sua primeira vídeodança foi Westbeth, produzida em estúdio pelo filmmaker Charles Atlas, no outono de 1974, e lançada em 1975. Estava inaugurada a parceria entre os dois artistas, que geraria muitas outras obras. Westbeth é uma colagem de seis partes e foi baseada na constatação de que a televisão muda o nosso modo de olhar e altera nossa sensação de tempo. A diferença da vídeodança para o registro de dança é quando o artista se apropria da mídia utilizada, a partir de seus (mídia) valores estéticos e poéticos. Nesse aspecto, o uso do vídeo passa a ser também artístico. A vídeodança é um dos possíveis resultados da interferência da tecnologia no fazer artístico de dança. Podemos atribuir seu desenvolvimento a fatores relacionados à facilidade de acesso a artefatos técnicos como filmadora, computador e internet, provenientes do avanço tecnológico em nossos dias, ou ainda à interdisciplinaridade cada vez mais evidente entre diferentes linguagens artísticas.